terça-feira, 12 de outubro de 2010

Chegou a hora do Carlos Martins




Os sinais de que Paulo Bento estará disposto a dar hoje a titularidade a Carlos Martins no importantíssimo duelo com a Dinamarca vão de acordo à opinião dos que, como nós, já há algum tempo defendem que o benfiquista é a solução natural de uma selecção agora privada de Deco, o jogador mais difícil de substituir na equipa nacional. Mas acaba também por ser uma recompensa justa para um futebolista de classe extra que atingiu tardiamente a maturidade.

Carlos Martins completou 28 anos em Abril, mas os jogadores de futebol (como os actores, os cozinheiros, etc.) não são como os comuns mortais que decidem ter entrado na fase adulta só porque terminam a faculdade, casam e têm filhos. Há alguns craques que se afirmam futebolisticamente maduros logo após a adolescência. Está neste lote, por exemplo, o português João Vieira Pinto, que foi pai aos 16 anos, casou aos 17 e foi campeão do mundo aos 18. Outros há que, independentemente da sua indiscutível qualidade e bons serviços prestados, nunca o conseguem, como foram os casos de Litos, Porfírio e até Jardel. Carlos Martins faz parte daquele lote muito restrito que, embora tarde, lá acabam por descobrir que o botão do volume também roda para a esquerda.

Foi Augusto Inácio que chamou pela primeira vez Carlos Martins à primeira equipa do Sporting. Estávamos no virar do século, o jovem médio natural de Oliveira do Hospital tinha apenas 18 anos, mas já levava sete a ser formatado nos escalões de formação de Alvalade. Nessa época, fez apenas um jogo, frente ao Alverca (1-1), mas não demorou muito a pedir para ser emprestado, segundo consta devido às más relações que mantinha com Jean Paul, o treinador da equipa B. Foi para o Alentejo e, sob o comando de Diamantino Miranda, fez 27 jogos pelo Campomaiorense, começando a confirmar o seu futebol perfumado no sempre agressivo escalão secundário do futebol português.

Em Campo Maior também deixou novos sinais da sua juventude inquieta e regressou mais cedo do que o previsto a Alvalade. Acabou por ganhar direito às faixas de campeão nacional após ter alinhado seis vezes no campeonato ganho sob o comando de Boloni, numa equipa do Sporting em que havia forte concorrência no meio-campo (Rui Bento, Pedro Barbosa, Tello, Paulo Bento e Hugo Viana). Na segunda volta, foi cedido à Académica, onde somou 15 jogos. Seguiram-se quatro épocas em Alvalade, com mais baixos do que altos, fruto não só da concorrência (alguns do atrás referidos, mais Rochemback, Toñito e João Pinto), mas também das múltiplas lesões e do feitio sempre irascível. Naquele espaço de tempo, a sua melhor época acabou por ocorrer em 2004-05, quando o Sporting encantou e quase ganhou sob a batuta de José Peseiro.

Dois anos depois, já com Paulo Bento à frente da equipa, herdou a camisola 10 de Sá Pinto e estreou-se na selecção treinada por Scolari. Parecia o momento da sua afirmação definitiva. Puro engano. A instabilidade psicológica fê-lo cometer erros de palmatória e entrar em conflito com Paulo Bento, que não lhe admitiu as situações recorrentes de indisciplina, táctica e não só - a prova de que a razão estava do lado do treinador está aí, com a inclusão de Carlos Martins na primeira convocatória de Paulo Bento, que, de resto, nunca tinha deixado de aconselhar a sua chamada de Scolari.

A solução encontrada foi a saída para o Recreativo de Huelva. E do futebol espanhol não demorou a chegarem notícias dos seus golos (seis) e da regularidade das suas boas exibições (32 jogos). O final da época coincidiu com o pendurar de chuteiras de Rui Costa e uma das primeiras decisões do novo director desportivo do Benfica foi precisamente a contratação de Carlos Martins, que apontou como seu sucessor (embora tivesse guardado a camisola 10 para Aimar). O novo número 17 custou três milhões de euros, com o Sporting a receber 1,2 milhões, porque só detinha 40 por cento do passe.

Na Luz deu-se o processo final de maturação de Carlos Martins, eventualmente tardio, mas ainda a tempo de o confirmar como um jogador de classe indiscutível e com qualidades raras no panorama nacional, e não só. E é impossível dissociar desta evolução o treinador Jorge Jesus, que, à sua maneira, lá deve ter conseguido que Martins finalmente compreendesse que a juventude serve para aprender, mas só a maturidade permite compreender. Só assim se compreende que Carlos Martins tenha aceitado de bom grado a utilização esporádica, funcionando quase apenas como um "duplo" de Aimar ou de Ramires.

Nos últimos tempos, Carlos Martins transmitiu uma imagem de maior serenidade e de controlo em si mesmo, a exemplo, de resto, do que também vem sucedendo com o seu companheiro Fábio Coentrão, outro exemplo de afirmação verificado quando muitos já não acreditariam. Curiosamente, ambos casaram e foram pais recentemente (o benfiquista prepara-se, de resto, para o ser pela segunda vez).

Esta época, Carlos Martins participou nos sete jogos da liga portuguesa (três como suplente utilizado), na Supertaça e jogou os 180 minutos dos dois jogos da Liga dos Campeões. Tão ou mais importante, vem sendo um dos benfiquistas com rendimento mais elevado e regular, sendo que esta última característica contraria a folha de serviços que foi construindo ao longo da carreira.

Carlos Martins dá hoje conta do recado nas diversas posições do meio-campo e pode ser utilizado independentemente do desenho táctico. É, obviamente, um jogador com características diferentes de Aimar, que leva vantagem no futebol de filigrana e na forma perfeita como se entende com Saviola. Tem também características diferentes de Deco, outro caso em que a inteligência e a magia são rentabilizadas ao máximo. Mas é uma belíssima alternativa tanto num caso como noutro, até porque ganha a qualquer um deles na potência e na colocação do remate, independentemente do pé escolhido. Chegou a hora de Carlos Martins. Demasiado tarde, mas ainda a tempo, porque a maturidade não se vende em nenhum supermercado...

Os cantos do Sporting

O Sporting fez talvez a exibição mais consistente da época em Aveiro, mas não conseguiu melhor que um empate frente ao Beira-Mar. Tanto volume e posse de bola ainda não têm correspondência em termos de oportunidades de golo, mas parece, pelo menos, haver agora um caminho que merece ser trilhado. Mas há coisas que precisam urgentemente de ser melhoradas e que não passam apenas, como deixou implícito Paulo Sérgio, pela eficácia concretizadora. Esta equipa leonina continua a falhar redondamente no aproveitamento dos cantos a favor. Teve 13 frente aos aveirenses e não criou real perigo em nenhum deles, situação que se tem verificado em quase todos os jogos, com excepção da vitória em Sófia. Há um problema de estatura, mas não se percebe, por exemplo, por que não varia um pouco a forma como executa os cantos e tenta "à maneira curta", que, é dos livros, serve para desestabilizar a organização defensiva do adversário.

As desculpas mitigadas de Villas-Boas

André Villas-Boas foi vítima de si próprio e de uma máquina portista que desesperava pela oportunidade de responder às queixas de arbitragem do Benfica. Mas se acaba por se perceber a precipitação e os excessos de ansiedade de um treinador de indiscutível qualidade, mas que só tem 32 anos, já parece menos razoável que a estrutura que lhe dá apoio não tenha percebido que o jogo de Guimarães não era ainda a altura mais oportuna para tentar descredibilizar a estratégia benfiquista e procurar encostar Vítor Pereira à parede. Ao dar a mão à palmatória, mesmo que de forma mitigada, Villas-Boas teve, pelo menos, a virtude de fazer algo pouco comum naquela casa. Resta saber se aprendeu a lição e se, num eventual futuro momento difícil, vai ser capaz de provar que é capaz de manter um discurso sério, coerente e lógico mesmo quando não ganha. Até porque não deve ser agradável ouvir o presidente do Benfica acusá-lo de ter passado por "uma situação ridícula e caricata".

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